É incontrovertível que, no ordenamento jurídico brasileiro, observam-se ainda vários resquícios de uma Administração Pública burocrática e ineficiente, especialmente no que tange aos volumosos contratos administrativos objetivando fornecimento de serviços e a construção de obras de infraestrutura. Assim sendo, a fim de resolver os eventuais conflitos de maneira mais célere, surge o fenômeno dos “Dispute Boards”, os quais estão se tornando cada vez mais comum nas contratações nacionais e internacionais.
Nesse contexto, é imprescindível pontuar que o Dispute Board (DB) configura-se como um método alternativo de resolução de conflitos, ao propor a formação de um comitê de especialistas com expertise em algum determinado objeto a ser contratado pela Administração Pública – uma aquisição, prestação de serviço ou obra- ,os quais deverão analisar e prevenir as eventuais controvérsias técnicas que possam surgir durante o curso contratual, evitando o litígio judicial.
Os Comitês podem ser formados ad hoc, ou seja, apenas para definição de uma questão em caráter pontual, desfazendo-se na sequência; ou ter existência permanente ao longo de toda a vigência negocial, devendo estar previsto em edital da licitação e contrato celebrado pela Administração Pública.
Os dispute boards surgiram na década de 1970 nos Estados Unidos com destaque na obra do túnel de Eisenhower, no Colorado. Desde então, o uso de Dispute Boards vem crescendo exponencialmente nos Estados Unidos e na Europa, especialmente devido ao seu baixo custo em relação às tradicionais formas de solução de conflito, a exemplo da arbitragem.
Ademais, conforme apontou um estudo realizado pela Dispute Review Board Foundation, no Canadá e nos Estados Unidos mais de 90 % das desavenças surgidas durante os contratos administrativos que contam com um DB são solucionados em até 90 (noventa) dias e sem rediscussão em outra esfera, evitando assim a sujeição aos demorados processos judiciais.
No cenário brasileiro, a experiência com os DB’s ainda é bem recente, tendo como principal exemplo a reforma na Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo. Na ocasião, o BIRD (Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento), solicitou a presença de um Dispute Board durante a realização da obra. Ao final, a experiência foi considerada um sucesso, pois, além do baixíssimo custo da DB, a construção não foi paralisada nem mesmo uma vez.
A resolução de conflitos apresentada através dos Disputes Boards trata de instrumentos tradicionais ao ambiente privado, albergando, de maneira exemplificativa, meios de autocomposição (v.g., conciliação, mediação) e de heterocomposição (v.g., arbitragem), seguindo tendência que já se encontrava positivada em leis administrativas em vigor, a exemplo, na Lei de Concessões (Lei 8.987/95, art. 23-A), na Lei de Parcerias Público Privadas (Lei 11.079/04, art. 11, III), na Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei 12.462/12, art. 44-A), na Lei das Estatais (Lei 13.303/16, art. 12, parágrafo único), na Lei da Arbitragem (Lei 9.307/96, após a Lei 13.129/15), na Lei de Mediação e de Solução Alternativa de Disputas na Administração Pública (Lei 13.140/15).
Seguindo o exemplo de alguns municípios, a exemplo de São Paulo (Lei Municipal nº 16.873, de 22 de fevereiro de 2018) e Belo Horizonte (Lei Municipal n. 11.241, de 19 de junho de 2020), o tema dos DB’s vem sendo abordado no projeto de lei que atualiza o marco legal das Licitações e Contratos Administrativos (PL 1.292/1995). Nesse sentido, a aprovação desse projeto propiciaria uma maior objetividade e segurança jurídica na utilização desse instrumento, além de permitir a difusão dos DB’s em contratos administrativos de todas as instâncias federativas, o que consolidaria, por fim, a instauração das melhores práticas no âmbito da Administração Pública em seus contratos administrativos.
Carolina de Araújo Oliveira da Silva
Estagiária
André Lucas Pinto Coelho
Advogado Associado (OAB-MA 12.765)