Harmonização Orofacial: reflexões sobre responsabilidade civil e ética profissional

jun 21, 2024 | Notícias

Essa crescente demanda por esse tipo de procedimento traz à tona importantes questões relacionadas à responsabilidade civil e ética profissional, especialmente no contexto do direito médico e odontológico.
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A Harmonização Orofacial (HOF) ou Harmonização Facial tem ganhado popularidade nos últimos anos como uma abordagem para melhorar a estética facial e a autoimagem. Este procedimento inclui uma variedade de técnicas, como: preenchimento facial, toxina botulínica, fios de sustentação e bioestimuladores, que são realizados por profissionais das áreas de Medicina e Odontologia.

Entretanto, essa crescente demanda por esse tipo de procedimento traz à tona importantes questões relacionadas à responsabilidade civil e ética profissional, especialmente no contexto do direito médico e odontológico.

Afinal, quem está autorizado a executar o procedimento de Harmonização Facial?

A HOF é uma área multidisciplinar, que, apesar de ter sido reconhecida como uma especialidade odontológica, pode ser exercida também por profissionais da Dermatologia, Otorrinolaringologia, da Neurocirurgia e da Cirurgia de Cabeça e Pescoço.

A prática da HOF está sujeita a regulamentações que variam conforme a formação do profissional executante. Por exemplo, cirurgiões-dentistas no Brasil, segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO), estão autorizados a realizar tais procedimentos, mas dentro dos limites impostos pela Resolução CFO 198/2019, cuja complementação foi realizada pela Resolução CFO 230/2020.

Quanto à classe médica, existe uma discussão de que a Resolução CFO 198/2019 violava a Lei do Ato Médico. No entanto, o Juízo da 8ª Vara Federal do DF decidiu em conformidade com o parecer emitido pelo Ministério Público Federal a legalidade da Resolução CFO 198/2019 e, por consequência, das competências dos Cirurgiões-Dentistas no campo da HOF.

Nos autos do processo nº 1003948-83.2019.4.01.3400/DF, o Magistrado proferiu decisão que, mesmo passível de recurso, é bastante representativa para a classe odontológica. Em resumo, decidiu o magistrado:

a) O CFO editou a Resolução n. 198/2019, que reconhece a Harmonização Orofacial como especialidade odontológica, e dá outras providências, extrapolando e contrariando a lei que regulamenta a Odontologia e as decisões do Supremo Tribunal Federal – STF, Superior Tribunal de Justiça– STJ, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e a Justiça Federal do Distrito Federal, especialmente nos últimos 5 anos (anexas), que são claros quanto aos limites da atividade de dentistas e cirurgiões dentistas;
b) Com a edição da Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico) toda e qualquer dúvida que existia em relação aos atos que podem ser realizados apenas pelos profissionais médicos foi dirimida, já que, nenhuma outra profissão, seja qual for sua área de atuação, ligada ou não à saúde, possui em sua legislação regulamentadora a autorização expressa de realização do diagnóstico nosológico e/ou a prática de atos invasivos;
c) O caráter privativo da realização de procedimentos invasivos estéticos para os médicos JÁ RESTOU EXPRESSAMENTE DEMONSTRADO NO TEXTO DA LEI.
d) o Réu ao editar a Resolução objurgada contrariou a sua própria legislação de regência, a Lei n.º 5.081/66, porque o profissional dentista não pode exercer atos privativos de médicos, como os são os procedimentos invasivos estéticos.
e) A resolução atacada tem o enorme potencial de causar lesão grave à saúde da população, porque permite ilegalmente que um profissional não médico (dentista) possa realizar ATOS MÉDICOS, pois demandam perícia profissional e possuem potencial de complicações clínicas.

Responsabilidade jurídica sobre os procedimentos

Destaca-se que, com a determinação dos profissionais da saúde que podem realizar o referido procedimento, os acompanha também a necessidade de atuação preventiva ética e legal quanto a responsabilidade civil no contexto da HOF, cuja qual, pode ser analisada sob três aspectos principais: a responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual e a responsabilidade objetiva.

A relação entre o profissional de saúde e o paciente é, em sua essência, contratual. O profissional assume uma obrigação de meio, comprometendo-se a empregar todos os recursos disponíveis para alcançar o melhor resultado possível, mas sem garantir o resultado específico. Caso ocorra um dano ao paciente devido a negligência, imperícia ou imprudência, o profissional pode ser responsabilizado civilmente conforme o Código Civil Brasileiro nos termos dos artigos 186 e 927.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Nesse contexto, aquele que foi lesado pelo seu descumprimento, basta provar a existência prévia no contrato firmado, o fato do inadimplemento e o dano, com o devido nexo de causalidade, transferindo ao réu a responsabilidade de demonstrar que o dano decorreu de uma causa estranha a ele. (SIMONELLI, 2023, p.14).

Além da responsabilidade contratual, o profissional pode ser responsabilizado extracontratualmente por danos causados a terceiros que não sejam diretamente seus pacientes. Isso pode incluir situações em que um paciente é prejudicado por informações incorretas ou enganosas divulgadas pelo profissional.

Em casos específicos, a responsabilidade objetiva pode ser aplicada, onde não é necessário provar a culpa do profissional. Isso é mais comum em situações em que o risco é inerente à atividade, como no uso de substâncias potencialmente perigosas ou procedimentos de alta complexidade. A responsabilidade objetiva está prevista no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990, artigo 14).

Por fim, há a chamada responsabilidade ética. Os profissionais de saúde, em caso de agir em desconformidade com as diretrizes éticas de cada Conselho Profissional, podem responder processos de sindicância.

Enquanto isso, o exercício ilegal da profissão, a ausência de sigilo com o paciente, publicidade em dissonância com as regras previstas ou até mesmo negligência em tratamentos, podem resultar em um processo administrativo para o profissional.

Diante disso, faz-se necessário, sempre consultar uma assessoria jurídica especializada, como meio de orientação para o cumprimento do que preconiza a lei.

Fernando Linhares
Brissac & Fonteles Advocacia

Referências

BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 26 maio 2024.

BRASIL. Justiça Federal do Distrito Federal. Processo nº 1003948-83.2019.4.01.3400. Reconhecimento da HOF enquanto especialidade odontológica.

ODONTOLOGIA, Conselho Federal de. Harmonização Orofacial: especialidade odontológica completa três anos de conquistas e avanço ético. Disponível em: https://website.cfo.org.br/harmonizacao-orofacial-especialidade-odontologica-completa-tres-anos-de-conquista-e-avanco-etico/. Acesso em: 26 maio 2024.

Direito médico / Osvaldo Simonelli. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2023.

Conselho Federal de Odontologia. Resolução 198/2019. Disponível em: https://sistemas.cfo.org.br/visualizar/atos/RESOLUÇÃO/SEC/2019/198. Acesso em: 27 maio 2024.

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